FLÁVIO ASSIS
5. Sobre peões e cidade
Sobre Peões e Cidade
Flávio Assis
Segunda-feira,
mal o sol desabrochou,
já chacoalha a condução
pro canteiro do labor
légua tirana, sou mais nessa cidade: espremido, confundido
na engrenagem do motor
Bota, colete, capacete, macacão
Pendurado no andaime
vou subindo a construção
Do chão da laje vejo toda paisagem,
o que a vista não alcança
é o que devora seu doutor
Pois é, pra chegar domingo
me perder no domingo
me esquecer no domingo
No fim da tarde
a notícia que alarde
do outro lado da cidade
o guindaste despencou
Zeca, Pereira, Clementino,
Oliveira, uma penca de menino,
um punhado de amor
E quem se vale
de poder e autoridade
na barganha da vaidade
a mentira desabou
ninguém se engana
por debaixo dessa trama
tem mais caroço no angu
do que pode se supor
Pois é, pra chegar domingo
me perder no domingo
e esquecer no domingo
Tragédia feita,
missa, padre e igreja,
os amigos na bodega
estrangulam toda dor
A tevê reclama
o interesse de quem banca
antes que o sol desmanche
a notícia já esfriou
E a cidade
já ruína e novidade
na palavra do poeta,
do canalha benfeitor
a vida se arranja
sob o pó da maquilagem
no rosto da menina
a obra inaugurou
Pois é, pra chegar domingo
me perder no domingo
e esquecer no domingo
Juventina, meu bem
inda vou pra Araci
preparar um bode
me banhar no Jorrinho